quarta-feira, 25 de agosto de 2010

A semente do Mal.


A história que contarei agora é de muito tempo atrás. Quando a maior fonte de renda do nosso país eram as plantações de café, excluindo apenas a extração de ouro. Em uma época em que fazendeiros eram os soberanos, com seus muitos e muitos hectares de café e sua mão de obra escrava.
A história que contarei é justamente de um desses fazendeiros, talvez o mais rico deles. Adamastor Saraceno era o seu nome, e todos que o conheceram dizem que ele dedicou todos os seus dias viventes para se tornar o maior produtor de café. Mas inconsciente, se tornou tambem o mais perverso dos homens que já caminharam sobre a face da terra.
A sua história antes de se tornar um homem de poder é desconhecida. Muitos acreditam que ele matou o próprio pai para herdar tudo o que o homem possuía, pois aos vinte e três anos de idade Adamastor já era proprietário de uma enorme quantidade de terras. E tambem virou dono de várias cabeças escravas.
Todos os seus empregados, excluindo apenas seu capitão do mato, eram negros. E todos sentiam um medo, ou melhor dizendo pavor de Adamastor. Mas o sentimento de medo não era nada comparado ao de ódio. Mas jamais existiu em todo o mundo o sentimento do ódio maior do que o do fazendeiro. As únicas pessoas que ele parecia não odiar eram sua esposa e as três filhas. Porem nunca foi dito que ele realmente as amava.
Mas vamos ao que realmente importa, contar sobre a tirania de Saraceno. Seus escravos só paravam de trabalhar quando desmaiavam, os mais velhos quando morriam de insolação. Quando algum deles tentava fugir era chicoteado pelo próprio fazendeiro, o qual se orgulhava de deixar as costelas dos homens amostra. E se algum escravo fosse pego roubando algo para comer,tinham a mão cortada fora e era prezo em uma jaula de ferro, seu corpo só era retirado de lá quando os pássaros haviam feito seu trabalho e deixado apenas os ossos. Muitas e muitas mulheres tiveram os bicos dos seios cortados, pois alegavam que Adamastor era pai do filho que traziam no ventre. Em todas as vezes as alegações eram verdadeiras.
A família de Saraceno testemunhava essas atrocidades sem poder lhe dizer uma palavra de reprovação. E nas ínfimas vezes em que houve uma tentativa, suas vozes foram caladas por tabefes. A vida seguia, o café regado a sangue crescia, os escravos diminuíam, mas eram substituídos.
A maldade de Saraceno teve seu auge no verão em que sua filha mais nova completou dezoito anos. Valentina sempre fora uma menina linda, de pele branca e cabelos negros. A única das filhas que herdara seus olhos verdes e expressivos. Durante toda a sua infância Valentina brincava com os filhos dos escravos, correndo pelos pés de café. E dividia uma amizade especial por Bomani, um garoto que era dois anos mais velho que ela. Os anos passaram e a amizade dos dois foi ficando maior, até o momento em que se tornou amor.
Valentina não tinha medo do pai como as outras irmãs e a mãe. E se encontrava com Bomani todas as noites desde que completara dezesseis anos, seus encontros permaneceriam secretos por muito tempo. Mas Valentina abandonara seus traços de menina e havia se tornado uma linda mulher. E essa beleza atraiu a atenção do capitão do mato de seu pai, que tentou de todas as maneiras conquistá-la, sem sucesso. Por um golpe do destino o capitão do mato descobriu os encontros dos dois jovens, e tomado de ciúmes e ódio ele os entregou a Adamastor.
A vergonha de ter sua filha desvirginada por um escravo, de ter sido engano por ela por dois anos encheu o coração de Saraceno de uma fúria incontrolável e cega. E foi essa fúria que fez com que ele atingisse o grau mais alto de sua maldade. Valentina foi espancada até entrar em estado de choque, seu rosto que outrora fora lindo estava deformado e contundido. Mesmo todo o apelo feito por sua mulher não foi suficiente para acalmar o fazendeiro que munido de uma velha espingarda disparou duas vezes no corpo da filha mais nova. Valentina morreu nos braços da mãe, delirando e balbuciando palavras sem sentido.
O pobre Bomani teve os braços amarrados a um tronco de madeira e as pernas amarradas a dois cavalos. Os animais foram chicoteados e só conseguiram se livrar dos açoites quando finalmente desmembraram os braços do rapaz e o arrastaram pelo chão por muitas e muitas milhas. Pouca coisa restou de Bomani quando os cavalos retornaram a fazenda.
Esse foi o ápice da crueldade de Adamastor Saraceno, assassinar brutalmente um casal de jovens apaixonados. Mas tambem foi sua ruína. Pois sua esposa jamais o perdoou pelo o que havia feito a Valentina, e dentro de si jurou vingança pela filha. A pior de todas elas. Muitos conheciam e temiam a magia negra que os escravos praticavam, a esposa de Saraceno era uma dessas pessoas. Mas seu medo acabou quando conheceu Kyesi, uma anciã que todos os escravos respeitavam muito. A velha Kyesi lhe ensinou muitas coisas, desde remédios e chás para dores e constipações, como tambem ensinou poções que eram capazes de feitos horríveis.
E foi com uma dessas poções que ela envenenou Saraceno. Antes de cair morto o homem tentou estrangular a esposa várias vezes, mas a poção era forte. Os lábios de Adamastor ficaram roxos, seus olhos negros como o carvão, a língua escancarou-se para fora da boca antes que ele morresse. Mas esse ainda não era seu fim, e se sua mulher soubesse disso teria disparado pelo menos três tiros em seu corpo antes de enterrá-lo.
Ele foi enterrado em uma cova funda, cavada pelos escravos. Seu corpo foi jogado na areia sem cuidado algum, sem caixão ou manto que o cobrisse. A tirania havia acabado, e ninguém saberia o que houve com Adamastor se os fatos que sucederam seu sepultamento não fossem tão bizarros, e tão irreais.
Nada cresceu no lugar onde o corpo fora soterrado. E a terra tomou um tom de ocre amarelado. Os pés de café que cresceram ao redor ficaram com as folhas e os frutos pretos, e a seiva que pingava era de um vermelho vivo. Mas o mais bizarro ainda estava por vir.
Unhas enormes começaram a brotar da sepultura de Adamastor. Grossas e retorcidas elas saiam de dentro da terra como as garras de um demônio que tentava fugir do inferno, em seguida longas mechas de cabelo grosso e esbranquiçado saiam aos tufos da cova. Por semanas os escravos olhavam horrorizados, as unhas crescerem mais e mais, e as tranças se misturarem com os ramos de café. Foi então que vieram os sons. Urros e berros que pareciam vir do próprio diabo, uivos guturais que não podiam ser feitos por uma garganta humana.
Você pode achar que essa é apenas uma das lendas do folclore do nosso país. Eu tambem achava até ver as garras retorcidas, os cabelos esbranquiçados e ouvir os gritos infernais que saiam da terra. Aquele lugar é esquecido por todos, abominado. Pois ali foi plantada a semente do mal, da discórdia e da perversidade. A única coisa que peço em minha orações é que o ceifador que ali está enterrado nunca se levante para colher a sua safra.

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